o ARROZ
na Europa
Na Europa, come-se mais arroz do que aquele que se produz, o que a converte no quarto importador mundial. A Itália e Espanha, por esta ordem, são os principais países produtores deste continente. Seguem-se-lhes a Grécia, Portugal e França.
Graças à sua adaptabilidade ao terreno e ao seu rendimento, o arroz “Japónica” (grão redondo) é a variedade que, por tradição, mais se tem cultivado na Europa. No entanto, a população europeia prefere o arroz “Índica” (grão longo), sobretudo nos países nórdicos. No que respeita ao consumo, a prevalência do arroz tradicional tem estagnado nos últimos anos, uma vez que especialidades como o vaporizado, o longo ou o integral têm vindo a ocupar melhores posições no ranking dos mais vendidos.
As regiões da Lombardia e do Piemonte são o principal abastecedor de arroz na Itália e também da Europa. Desde que a cultura do arroz se iniciou no país na primeira metade do século XV que a sementeira do arroz tem propiciado a construção de canais para drenar os pântanos nestes territórios. Leonardo Da Vinci construiu um nas planícies do rio Pó.
Nos finais do século XIX, Camillo Cavour encarregou-se de erigir o canal que levaria água do rio Pó e do lago Maggiore para outros arrozais, como os de Vercelli-Alessandria, Pavia e Novara. Na actualidade, este canal recebe o nome do seu autor: ‘Canal Cavour’.
Este alimento não só inspirou grandes construções, como possui em Espanha também uma grande importância ambiental e social nas zonas húmidas como, por exemplo, na região de Doñana, na Albufeira valenciana e no delta do Ebro, onde não seria possível trabalhar outro produto.
ARROZ COM ARTE
Se bem que muito presente na cultura e na tradição orientais, o arroz conquistou também na Europa o seu lugar no quotidiano, embora talvez menos patente. Os italianos costumam dizer que “o arroz nasce na água, mas morre no vinho”. Antigamente, em Espanha, às mulheres que estavam na chamada “idade casadoira”, se não encontravam pretendentes, dizia-se-lhes: “vai-se-te estragar o arroz”. O artista Giovanni Pascoli criou um poema cuja musa nasceu de um prato de arroz e, na sua célebre ópera Tancredi, Rossini incluiu uma ária sobre este cereal.
Entre os arrozes mais prestigiados da Europa, destaca-se, sem dúvida, o risotto italiano, de que se criaram variedades como o Arborio e o Carnaroli. O Risotto alla Milanese é o mais famoso de Itália. Segundo a tradição, a receita deste arroz amarelo surgiu durante a construção da conhecida catedral de Milão no século XVI. A história conta que o açafrão se utilizava para colorir os vitrais da catedral e que se acrescentou este ingrediente ao prato de risotto para fazer uma brincadeira.
Outros pratos internacionais europeus são a paella espanhola – especialmente a de Valencia – e o roulé de feuilles de riz au thon, o arroz enrolado com atum de Espanha – originário da Camargue. Se o ingrediente adicionado a este último prato é o atum, à paella valenciana o timbre é dado pelos legumes, o frango e/ou o coelho, o azeite virgem, o colorau e os fios de açafrão. É assim que a Europa tenta contribuir para o mundo com o seu “grãozinho de arroz”, embora ainda lhe falte muito por semear.
O arroz é um dos alimentos básicos e ancestrais da população mundial e, por esse motivo, não é de estranhar que exista em cada cultura uma série de lendas e mitos em torno deste grão sagrado.
Apesar das divergências culturais e religiosas, se nalguma coisa coincidem as diferentes civilizações é em que o arroz é um alimento oferecido pelos deuses, devendo, por isso, venerar-se como tal. Na China convivem várias lendas, já que este é o país com as maiores culturas. Uma delas conta que uma deusa percorreu todos os pontos cardeais assediada pela fome até que, num lugar, encontrou uma erva e despiu-se à sua frente. A espiga deixou cair umas gotas de leite e a deusa entregou umas gotinhas de sangue. Daqui nasceu o arroz: branco por dentro e vermelho por fora.
Outra lenda chinesa conta que, numa época remota, a Deusa do Arroz e Buda entraram em competição para demonstrar o seu poder. Numa festa celebrada por Buda, a Deusa do Arroz desapareceu repentinamente e os convidados, muito pesarosos, não quiseram continuar a festa. Consciente disso,
Buda decidiu, então, ir procurá-la e convencê-la a regressar. Esta lenda serve para justificar como as mais antigas crenças chinesas (a Deusa do Arroz) partilham o protagonismo com a religião budista, introduzida a partir da Índia.
Na Índia contam que a deusa Banbarazon, certo dia, tomou consciência da fome que o seu povo estava a passar e, para o ajudar, desceu secretamente aos campos de espigas durante a noite. Quando chegou, apertou os seus seios até que deles brotasse leite, mas a última gota foi de sangue. A partir desse dia, as espigas produziram uns grãos vermelhos inúteis e o arroz branco que serviu para alimentar toda a sua gente.
Outra lenda indiana fala do deus Siva ter criado uma bela mulher, por quem se apaixonou. Para se casar, ela pôs como condição receber um alimento que nunca chegaria a aborrecê-la. Siva não conseguiu encontrá-lo, e a donzela morreu de tristeza. Quarenta dias depois, da sua tumba brotou uma planta desconhecida, que Siva reconheceu como o alimento que a sua amada desejava. Recolheu os seus grãos e distribuiu-os por todo o seu reino.
Os Árabes afirmam que o arroz procede de uma gota de suor de Maomé e as lendas africanas narram como o arroz foi fecundado a partir do sangue do primeiro homem.
Mitos
e
LENDAS
o ALIMENTO
mais antigo
e mais actual
O arroz reserva-se o direito da longevidade. Tal como antes, continua a estar na moda. No passado, era um manjar somente para deuses e reis. Hoje em dia, chega a todos os paladares ao quilo, comodamente embalado.
Há coisas que não mudam. É que, no que diz respeito a técnicas de cultivo, as técnicas de alagamento tradicionais continuam a dominar o terreno onde se cultiva o arroz. Os cientistas estão a trabalhar para desenvolver técnicas que requeiram menos água. Actualmente, empregam-se também técnicas de cultura intermitente em seco e húmido (lâmina de alagamento) e cultura em seco, sem alagamento (sequeiro e rega reduzida).
O trabalho nos arrozais continua a ser pesado, mas a mecanização das ferramentas torna-o mais suportável. O trabalho era muito mais duro quando tudo se fazia “à mão”. As ceifeiras dotadas de lagartas, as rodas especiais para realizar a movimentação da lama, etc. têm vindo a facilitar muito tarefas como a sementeira, a colheita, etc., o que propicia um aumento de produção.
DA LENHA ÀS COZINHAS MODERNAS
A revolução não se deu apenas no campo, chegou também aos fogões da cozinha. E, o que é mais importante, a evolução não deixou a tradição para trás. Ambas convivem à mesma mesa. Os arrozes cozinhados em panela ou caçarola de barro (caldos, sopas) deixaram de ser cozinhados sobre brasas de carvão vegetal e pequenos ramos, para passarem a ser elaborados em fogões a gás, eléctricos, vitrocerâmicos, de indução, etc. sem que a qualidade destes pratos diminua.
Ainda não há muito tempo, as caçarolas de arroz faziam-se nos fornos públicos, sobre brasas de lenha recém-colhida no monte e a cheirar a tomilho. Agora, os fornos eléctricos agilizam muito a tarefa, sem que se percam os sabores. A panela de pressão revolucionou a cozinha: o arroz fica pronto em 10-15 minutos, para quem não disponha de muito tempo na cozinha.
A vanguarda chegou aos pratos tradicionais como o arroz cozido acompanhado de peixe, carne, etc., o arroz frito, os arrozes malandros… Este alimento converteu-se num ingrediente inovador, já que foi reinventado pelos novos cozinheiros.
A origem
da cultura do
ARROZ:
Ásia neolítica
Há muito, muito tempo, cerca de 10000 anos atrás, o arroz começou a sua viagem desde o sudeste asiático até à Índia, à China e ao Japão.
Existem várias versões sobre a origem das primeiras culturas de arroz, embora, entre os historiadores, a mais popular assinale a China como o primeiro país em que se desenvolveu a cultura deste cereal, apesar de reconhecerem que foi na Índia onde primeiro foi encontrado na sua forma selvagem.
Tudo começou na China, nos férteis vales dos rios Huang Ho e Yang-Tse Kiang, antes do século XV a.C. Sabe-se agora que o arroz foi cultivado em Hunan a partir dos anos 8200-7800 a.C., graças ao resultado das análises com Carbono 14 realizadas a grãos de arroz em tigelas descobertas em escavações situadas em Pengtou Xiang. Já antes se tinham encontrado provas da cultura do arroz anteriores a 6000 a.C. na província de Zhejiang, próximo de Hangzhou.
À CONQUISTA DO MUNDO, «GRÃO A GRÃO»
O desenvolvimento das diversas rotas comerciais partindo da Ásia para outras partes do mundo propiciou a expansão da cultura, dado que o próprio grão foi utilizado como moeda de troca. O arroz chegou aos países mediterrânicos 350 anos antes do nascimento de Jesus Cristo. Já no século IV a.C. a sua cultura estava muito difundida na Mesopotâmia, graças aos intercâmbios comerciais que o rei persa Dario estabelecera com a China e a Índia.
Os gregos e os romanos também o conheceram, mas mais como planta medicinal que como alimento. Na obra “Dez livros de cozinha” de Apicius, refere-se a fécula de arroz como mistura para ligar um molho. Foi a partir da bacia do Eufrates e do Tigre que os árabes o introduziram, lá pelo século VIII da nossa era, nas costas espanholas. Com efeito, a procedência do nome, tal como o conhecemos hoje, provêm da palavra de origem árabe “ar-rozz”.
Depois de os árabes o terem implantado em Espanha e, dali, em toda a Europa, o arroz continuou o seu caminho e atravessou o Atlântico, para ser introduzido no continente americano pela mão de Cristóvão Colombo na segunda metade do século XVI. O seu prestígio na Europa foi tal, que, nuns escritos de cozinha francesa, se menciona um arroz doce de amêndoas e canela que o rei Luís ofereceu a S. Tomás de Aquino durante um banquete.
Independentemente das histórias que se podem contar sobre o arroz, bem como do interminável esforço que exige para a sua cultura, o seu progresso não abranda e na actualidade ainda continua a fazer história. É em 1912 que uma empresa arrozeira revoluciona o mercado, lançando a primeira embalagem de arroz, dirigida ao consumidor com o peso de um quilo, desta forma chegando a todos os lares do mundo. Hoje em dia, cultiva-se em mais de 42 países. E, como reconhecimento da sua vital importância e da sua trajectória histórica e humana, a ONU proclamou 2004 como o Ano Internacional do Arroz (Resolução 57/162 de 28 de Janeiro de 2003). A sua história faz com que, dia a dia, muitos possam contar a sua própria.
Sabemos que o arroz é indispensável para grande parte da humanidade, dado que constitui a base da dieta diária de quase dois mil milhões de pessoas.
Ao longo dos séculos, forjou-se um sem fim de histórias a seu respeito, que demonstram a importância deste cereal na alimentação mundial.
Na China, por exemplo, pergunta-se, à guisa de saudação: “Já comeste a tua porção de arroz?”. Se a resposta for afirmativa, significa que a pessoa está bem. Esta anedota não implica que o arroz seja um alimento exclusivo dos asiáticos. Na realidade, um terço da população considera este cereal insubstituível para sobreviver. Existem pessoas em todo o mundo que, se não contarem com um prato de arroz à sua mesa, sentem a sua dieta como incompleta. Alguns historiadores afirmam que este cereal é originário do Sudeste asiático e que se cultiva há mais de sete mil anos. Existem evidências do seu consumo anteriores ao ano 5000 a.C. no leste da China e do ano 6000 a.C. numa caverna do norte da Tailândia.
A nacionalidade do arroz é objecto de controvérsia, tal como a sua história. Estudiosos do tema consideram que o arroz é oriundo da Ásia meridional, porque cresce selvagem na Índia, na Indochina e na China. Embora seja certo que, nestas zonas, muitas variedades se desenvolvem espontaneamente desde épocas muito antigas, outros investigadores afirmam que é originário da África, tendo depois passado para a Ásia. Uma terceira hipótese assegura que surgiu simultaneamente nos dois continentes. Indiscutível para todos é que se trata de um dos alimentos mais antigos da humanidade.
Os livros de História referem que, na Pérsia e na Mesopotâmia, se conheceu o arroz através dos intercâmbios diplomáticos e comerciais do rei persa Dario com a China e com a Índia. Nos testemunhos da época, afirma-se que o imperador chinês Sheng Nung (ano 2700 a.C.) realizava uma cerimónia em que se semeavam cinco cereais: arroz, trigo, milho painço, soja e sorgo. No entanto, ele próprio semeava o arroz, outorgando-lhe, assim, um maior valor.
Posteriormente, durante a expansão da China para ocidente, o arroz difundiu-se pelo Egipto e Síria. No ano 300 a.C., o botânico e filósofo grego Teofrasto cita o oruzum como uma planta exótica desconhecida do seu povo. Outros investigadores assinalam nos seus estudos uma classificação agrícola e alimentar preliminar do arroz. Descrevem que a sua origem teve lugar na região central do sudoeste da Ásia e fixam dois centros, a Índia e a Birmânia.
De acordo com os historiadores, entre os gregos e os romanos, o arroz era considerado uma espécie exótica de luxo procedente do oriente, consumida apenas pelas pessoas mais ricas da sociedade. Na época de Nero, o médico grego Dioscórides descreve a cultura como um elemento muito eficaz para os problemas gastrointestinais. Pela sua parte, os latinos Horácio, Plínio e Columella recomendavam o seu uso como tisana. Dizem que foi Alexandre o Grande quem trouxe o arroz como alimento do Médio Oriente.
Os espanhóis afirmam que foram os árabes, estabelecidos no reino de Al-Andalus, os responsáveis pelos primeiros arrozais. O certo é que o arroz foi um artigo muito caro durante toda a Idade Média.
A história regista como de destaque o episódio do conde de Sabóia que, no ano 1250, comprou uma certa quantidade de arroz para a preparação de doces para a sua corte.
Por essa altura, o arroz não se cultivava em Milão, mas era importado da Ásia e só se encontrava em lojas especializadas. É nos finais do século XVIII que a família Visconti decide introduzir os arrozais nas suas terras e nascem, assim, os primeiros arrozais italianos.
A história afirma que o arroz chegou à América Latina durante a segunda viagem de Cristóvão Colombo. Relativamente à América do Norte, foi um barco holandês procedente de Madagáscar que o introduziu em 1685.
Nas narrações orais mais antigas, o arroz é descrito como uma divindade hindu. Trata-se de uma dádiva do céu, presenteada por Deus ao ser humano para mitigar a fome. Mas, para o obter, é necessário aplicar grandes esforços no seu cultivo.
Na nossa cultura, desde crianças aprendemos que o arroz é símbolo de fertilidade e abundância e, por isso, é tradicional atirar arroz por cima das cabeças dos noivos após o casamento, para lhes desejar felicidades, um bom futuro e uma prole numerosa.
É provável que a tradição americana tenha chegado através dos costumes orientais, porque o arroz é, entre os xintoístas, o alimento indispensável de uso ritual, como o pão para o catolicismo. O imperador japonês celebra uma cerimónia em que partilha o arroz com a Deusa do Sol, para oferecer a luz da sabedoria. Simboliza a salvação da espécie humana e a sua regeneração.
Episódios
HISTÓRICOS
ARROZAIS
de banaue,
património cultural da humanidade
O município de Banaue localiza-se na região administrativa da Cordilheira de Luzon, uma das mais de 7000 ilhas que formam o arquipélago das Filipinas. Nesta região, a uma altitude de 1525 metros acima do nível do mar, milhares de hectares de arrozais atapetam as encostas das montanhas, formando a considerada Oitava Maravilha do Mundo: os terraços de Banaue. Estes arrozais com 2000 anos de história, que os nativos Ifugao têm vindo a esculpir geração após geração, foram declarados Património da Humanidade pela UNESCO em 1995.
Nos intermináveis patamares ascendentes, os Ifugao continuam a colher o arroz à moda dos seus antepassados. Mediante um sistema de regadio à base de tubos de bambu, os ribeirinhos correm canalizados através dos terraços milenários. Este sistema agrícola é mundialmente reconhecido pela sua surpreendente harmonia. Na época das chuvas, os cumes das colinas absorvem a água e distribuem-na gradualmente pelos terraços de arroz, evitando, por sua vez, que produza grandes inundações e erosões. Os arrozais são, além disso, filtros naturais que fornecem água potável aos habitantes dos vales. É um sistema natural em que sociedade, cultura, agricultura, clima e natureza convivem e interagem harmoniosamente.
A época da colheita, em Outubro, é uma celebração especial em que os nativos salmodiam o “hudhud”. Este é uma recitação cantada que data do século VII, composta por duzentas histórias com quarenta episódios cada uma e em que a mulher, por se tratar de uma cultura matriarcal, desempenha a voz principal. As celebrações duram entre três e quatro dias e também se canta na sementeira e nos velórios.
Apesar de reconhecidos internacionalmente como um prodígio da natureza, os terraços de Banaue estão em perigo. Por um lado, ocorre uma mudança no crescimento da população, que leva a que os jovens herdeiros das parcelas se vejam arrastados cada vez mais para a vida urbana, conscientes da dificuldade em manter e cultivar estes arrozais como o fizeram os seus antepassados. A exploração turística constitui outra ameaça para estas “escadas do céu”, dado que o número de visitantes se multiplicou, para manter as rendas.
O turismo estimulou a produção industrial, a deterioração das zonas de colheita e a escassez de água, surgindo a obrigação de distribuir o manancial por hotéis e restaurantes. Alguns nativos de Banaue já deixaram a cultura, porque se torna mais fácil para eles viver do turismo. Retiram pequenos rendimentos do ecoturismo (viagem responsável inspirada na natureza), emprestando as suas habitações para alojamento, deixando que lhes tirem fotografias por algum dinheiro ou exercendo a função de guias turísticos, os que conhecem bem a zona.
Como um dos cereais mais ancestrais da Terra, o arroz foi venerado por todos aqueles que o provaram, até se converter numa forma de pensar, numa cultura em si mesma e numa tradição milenar.
O arroz cruzou todas as fronteiras possíveis, tendo mesmo penetrado nas línguas com uma lógica própria. Em chinês clássico, “arroz” e “agricultura” definem-se com a mesma palavra. As palavras “arroz” e “comida” são, por vezes, equivalentes. Em lugar de dizer: “Como está?” para cumprimentar, os chineses perguntam: “Já comeu arroz hoje?”. E outra expressão chinesa diz “parte-se o prato de arroz”, quando alguém é despedido ou rejeita um trabalho. Por seu lado, os japoneses, inclusivamente hoje, referem-se a este cereal como a sua “mãe” e consideram os agricultores arrozeiros como guardiães da sua cultura e do campo.
COSTUMES DE OUTRORA, RITUAIS DE AGORA
Devido à relevância do arroz, certos costumes e rituais derivados da relação entre as pessoas e este alimento continuam ainda hoje a cumprir-se. A comprová-lo está o seu protagonismo nos casamentos. Em todo o mundo, continua-se a atirar arroz aos recém-casados como símbolo de abundância e fertilidade. Na China, previnem as mulheres jovens de que “cada grão de arroz que deixarem no prato será uma cicatriz de bexigas na cara do seu futuro esposo”. No Japão, onde os campos de arroz recebem nomes de pessoas, acreditam que demolhar o arroz antes de o cozinhar liberta a energia vital e dota o comensal de uma alma mais poderosa. O imperador celebra uma cerimónia em que oferece arroz a Amaterasu, a Deusa do Sol, simbolizando assim a salvação da espécie humana. E ainda, na Índia, o arroz é o primeiro alimento que a noiva oferece ao marido. Um provérbio diz que “os grãos de arroz devem ser como dois irmãos: íntimos mas não unidos”. E na Indonésia, nenhuma mulher está preparada para o matrimónio, se não souber cozinhá-lo bem.
Cabe destacar o arroz nas cerimónias agrícolas nativas, para pedir aos deuses uma boa colheita. Nas Ilhas Célebes, no “Dia do Sacrifício pela Colheita”, três raparigas, ao voltarem para casa ao entardecer, vão batendo no solo com tubos cheios de sementes de arroz e cantando “Golpeai, oh amigas, pois contemplamos, contemplamos o suplicante, suplicante arroz macio!”. O arroz desempenha um papel primordial como instrumento nos ritmos que acompanham estas práticas. Na Malásia ocidental e na Tailândia, para descascar o arroz fresco, num tronco de madeira estendido no solo fazem-se orifícios de diferentes tamanhos, para dentro dos quais se verte o arroz, que é triturado com maças por uma fila de mulheres.
O arroz também é um ingrediente mágico. Em certas culturas, tem servido para a adivinhação. Em 2005, um chefe religioso do santuário de Chiriku Hachimangu na ilha de Kyushu (Japão) predisse (a 15 de Fevereiro desse mesmo ano), através da interpretação de um caldo de arroz: “Este ano foi um bom caldo. Mas vi uma fenda invulgar”, e, em seguida, anunciou à população: “Deveis estar preparados para terramotos”. No domingo, 20 de Março de 2005, registou-se na ilha um terramoto de grau 7 na escala de Richter. Foi o mais forte ali registado desde 1997. Naturalmente que o arroz em si é surpreendente e, como ingrediente cultural, é-o ainda mais.
Cultura
ARROZEIRA:
costumes
e
rituais
ARROZ:
património
cultural
A Cultura são os olhos que vêem pela primeira vez. O espírito e o trabalho unem as pessoas e evocam a alma de quem os vê.
No vasto delta do rio Mekong, uma multidão de pessoas de vários lugares, e com culturas díspares, agrupou-se para dominar a terra e criar a sua principal colheita. E conseguiram. Actualmente, vários terrenos rurais, incluindo este, converteram-se em autênticas paisagens dignas de se verem, visto que a necessidade de estancar a água nos sistemas dos arrozais formou, em larga medida, paisagens espectaculares.
E o afinco, o sangue e o suor fizeram crescer grandes obras e construções que, no dia a dia, são consideradas “as maravilhas do mundo”. As paisagens dos arrozais não se ficam atrás. Sob o olhar atento do viajante, foram recebendo diferentes significados consoante quem as apreciava. Antes e agora, a terra continua a exigir um grande esforço para a cultura do arroz, para construir e manter o sistema de socalcos ou para harmonizar o modelo de cultura com a erosão do solo, o desprendimento de terras e as necessidades básicas da alimentação.
PARA A HUMANIDADE
A UNESCO declarou os terraços de arroz de Banaue (Filipinas) Património Cultural da Humanidade, quem sabe se pelas suas curvas serpenteantes e inacabadas que sobem até ao cume da montanha, como riscos simétricos que formam garatujas impressionantes. Assim, foram baptizados como “escadas até ao céu”. Segundo palavras textuais da organização, “(…) os altos campos de arroz de Ifugao acompanharam os contornos das montanhas. O fruto do conhecimento dado por uma geração à seguinte, da expressão de tradições sagradas e de um equilíbrio social elevado ajudaram a criar esta paisagem de tão grande beleza, expressada pela harmonia entre o ser humano e o ambiente.
Longi, Ailao Xiang y Guangxi (China) nada têm que invejar. Ali, as simetrias jogam com os reflexos das águas, criando espaços peculiares e únicos que se misturam com as cores explosivas do entardecer. E o mesmo acontece com os imensos arrozais do delta do Mekong, no Vietname, bem como no Bangladesh, na Índia ou na Tailândia. Por toda a Ásia, sucedem-se festas em que o arroz está bem presente. É o caso de Yuan Xiao Jie na China (Festa das Almôndegas de Arroz Glutinoso ou Festa das Lanternas), onde é costume saborear bolinhas de arroz glutinoso (chamadas yuanxiao) que, recheadas de guloseimas, simbolizam a unidade familiar, ou do estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, com a festividade de Pongal.
Por outro lado, no continente europeu, próximo do Mediterrâneo, o panorama dos arrozais planos ao pé das montanhas cobertas de neve dos Alpes convida a sonhar. Uma vista única no norte de Itália, lar dos risottos e pratos de arroz reconhecidos a nível mundial. Fama que também ostenta a paella em Espanha, onde o arroz é igualmente um símbolo cultural da boa sorte, que é o que se deseja aos novos casais, quando se atiram grãos aos noivos. E em África, no delta do Nilo, as pessoas refugiam-se do intenso sol de Verão no ar fresco oferecido pelos frondosos arrozais do seu rio.
Na página da internet oficial da FAO, “o arroz é vida” (http://www.fao.org/rice2004/es/rice1.htm), afirma-se que “não se estão a poupar esforços para conseguir conservar outros sistemas de produção baseados no arroz e declará-los Património Cultural da Humanidade”.
Tipos e variedades de
ARROZ
Pode ser de grão longo e fino, glutinoso, integral, tailandês ou Basmati… No mundo existem mais de 2000 variedades de arroz, embora as cultivadas sejam muitas menos.
A maior parte das variedades de arroz procede de duas espécies selvagens, uma asiática (Oryza sativa) que apareceu inicialmente nas montanhas dos Himalaias, e outra africana (Oryza glaberrima), originária do delta do rio Níger.
Atendendo ao tamanho do grão, o arroz pode dividir-se em diversos tipos: de grão longo, médio e curto ou redondo. O primeiro é superior a 6 mm, ligeiro, muito seco, e permanece solto depois de frio, pelo que é costume empregá-lo como ingrediente para saladas. Encontram-se neste grupo os aromáticos Basmati da Índia e do Paquistão e o arroz tailandês, com o seu característico aroma de jasmim, o Ferranini da Itália e o Bond americano, entre outros.
O de grão médio mede entre 5 e 6 milímetros e apresenta-se mais curto e arredondado que o arroz de grão longo. O seu sabor é mais suave e tem uma textura mais macia. O arroz de grão curto ou redondo recebe este nome porque é quase tão comprido quanto largo (aproximadamente 4-5 milímetros de comprimento e 2,5 milímetros de espessura).
De entre os arrozes de grão médio, cabe destacar o Arborio, enquanto os espanhóis Júcar, Baía ou o arroz Bomba se encontram no grupo de grão curto. Outra variedade de grão curto é o arroz glutinoso, que contém uma alta percentagem de amido e cujos grãos ficam colados após a cozedura. Emprega-se frequentemente para preparar risottos.
VARIEDADES
Relativamente às variedades, as principais são: o arroz branco, de grão alongado, a que se retirou a casca e o farelo. A sua qualidade é reconhecida em todo o mundo. Quando é cozinhado, os grãos tendem a permanecer separados. Outra variedade é o arroz integral, que conserva a maior parte da cutícula que cobre o grão, o que lhe proporciona um certo tom castanho. Tem um teor em fibra superior ao das outras variedades e, ao comê-lo, mastiga-se ligeiramente. Semelhante ao integral é o arroz parboiled ou vaporizado, dado que tem o mesmo valor nutritivo e uma cor dourada parecida, tornando-se branco quando é cozido. Antes da comercialização, é submetido a um processo especial que faz com que não se estrague nem cole e, embora demore mais a cozer, é um produto muito nutritivo e os grãos ficam sempre soltos.
Há, ainda, o arroz vermelho, de procedência asiática e assim chamado porque os grãos apresentam uma camada de farelo vermelho. Costuma crescer em solos pouco férteis e zonas de montanha e a maior parte é moída para obter farinha branca para cozinhar. Por último, surge o arroz preto, também asiático, rico em vitamina B e oligoelementos. Esta variedade cultiva-se na China, na Indonésia e na Tailândia e caracteriza-se pela sua delgada camada de farelo preto que encerra um grão branco.